Pokémon: Red Green Blue #3
A capacidade de videogames contarem boas histórias é inegável e pode ser observada até mesmo no último par de jogos de Pokémon para o Nintendo 3DS, que já nos permitem uma análise narrativa de suas tramas. Porém, isso nem sempre foi verdade. Jogos só começaram a contar com algum elemento narrativo quando os desenvolvedores descobriram que dar aos jogadores uma missão ou um ato heroico para realizar lhes dava mais motivação para continuar jogando. Contudo, nada era muito elaborado, tanto pela simplicidade dos aparelhos da época quanto pelo fato de que esse não era o principal foco dos jogos, mas sim a jogatina em si. Parte do desafio de se adaptar um título de videogame para uma mídia focada em contar uma história - como um filme, livro ou história em quadrinho - é justamente esse: o objetivo da adaptação sempre será a narrativa. Selecionar quais elementos são relevantes para contar essa história e quais não são pode se tornar um grande desafio, e onde a maioria das adaptações tropeça.
Pokémon é um dos poucos casos que conseguiu transpor do mundo dos videogames de forma bem-sucedida para a TV, cinema, mangás entre outras mídias. Uma das razões disso é o fato de que não existe uma única história sendo contada, um cânone singular. Até no campo da animação, que por anos focou exclusivamente nas aventuras de Ash, o escopo foi se ampliando paulatinamente, permitindo que outros personagens ganhassem os holofotes, primeiro com os especiais de Pokémon Chronicles e eventualmente com as minisséries Pokémon Origins e Pokémon Gerações, que buscaram uma maior fidelidade aos jogos. Tal manobra permitiu que diferentes autores explorassem o universo de Satoshi Tajiri de diferentes maneiras, gozando de certa liberdade criativa.
Mesmo sendo considerada a adaptação que mais se aproxima com a visão do criador dos monstros de bolso, de acordo com o próprio, Pokémon: Red Green Blue também não se prendeu àquilo que os jogos propunham e contou sua própria história. No terceiro volume do mangá de Hidenori Kusaka e Mato, o primeiro arco de histórias é encerrado e com louvor! Se na segunda edição, o foco era colocar as peças do tabuleiro na mesa, agora os autores têm a liberdade de só movê-las no campo e o resultado é bastante satisfatório. O resultado é um livro composto por três clímaces: a batalha final contra a Equipe Rocket e Giovanni, Mewtwo e, por fim, a Liga Pokémon.
Se por um lado o que temos é um livro cheio de ação que não falha em amarrar quase todas as pontas deixadas pelo volume anterior, o fato de essas tramas não estarem muito bem conectadas entre si faz com que haja uma perda de ritmo na transição de uma história para a outra. Felizmente, isso não causa um grande prejuízo. Kusaka consegue manter suas histórias interessantes, inteligentes e criativas o bastante para cativar o leitor e prender atenção. Além disso, o autor faz ótimo uso de sua liberdade para nos surpreender e dar a histórias que poderiam soar batidas - como a de Mewtwo, que até ganhou adaptação para o cinema - uma nova e interessante perspectiva.
Batalha à Trois
O inevitável confronto final contra a Equipe Rocket era um dos eventos mais esperados deste volume e uma grande preocupação de Kusaka é estabelecer as motivações de cada personagem envolvido. Explicar os porquês parece de crucial importância para o autor. Em parte, isso é bom porque tira dos nossos protagonistas as virtudes do heroísmo altruísta clichê e os transforma em heróis por oportunidade: enquanto Red quer genuinamente acabar com os vilões por sua preocupação com os Pokémon em geral, Blue apenas quer resgatar seu avô e se vingar pelo que foi feito ao povo de Pallet e Green quer roubar o monstro no qual a organização está investindo para lucrar em cima dele. Até mesmo os pares formados para a batalha Kusaka se preocupou em justificar, estabelecendo as relações entre Red e Surge e Koga e Blue nos volumes anteriores e dando à Green uma arma perfeita para enfrentar os Pokémon do tipo Psíquico de Sabrina (os binóculos especiais).
Com os conflitos todos previamente organizados, resta ao roteirista apenas brincar com as possibilidades! Os comandantes da Equipe Rocket não têm medo de apelar para as mais inusitadas parafernálias na hora de se vingar das crianças que lhes atrapalharam. São grades elétricas, técnicas de imobilização e tortura física e psicológica. Dessa forma, o confronto é menos uma batalha Pokémon tradicional entre Treinadores, mas sim os jovens fazendo uso de seus recursos e criatividade para se desviarem dos planos dos Rockets, o que deixa o confronto pendendo mais para cérebro do que músculos.
Kusaka nos presenteia com algumas escolhas interessantes, como a decisão de mostrar Blue sendo vulnerável a Koga mais uma vez e precisando da ajuda de Red para derrotá-lo. Colocar o rival com ar de superioridade precisando da ajuda daquele que ele despreza de serve tanto para estabelecer o Líder ninja como o comandante mais perigoso do trio (nos jogos, ele de fato é mais forte que Surge e seus Pokémon estão no mesmo nível que os de Sabrina) como para também dar um certo equilíbrio à rivalidade dos dois rapazes. Além disso, é maravilhoso ver Red derrotando Surge simplesmente cortando seu isolamento.
Porém, meu confronto favorito fica entre Green e Sabrina. Sem os grandes exageros dos confrontos protagonizados pelos homens, é um deleite ver a ardilosidade da jovem Treinadora misteriosa sendo usada a seu favor e suas estratégias são deliciosamente surpreendentes (usar Ditto disfarçado de Blastoise pra avaliar o poder de Sabrina, Horsea pra se ocultar nas sombras, as Pokébolas armazenadas nos seios, os golpes sonoros para fazê-la perder a concentração…). Há um elemento de humor mesclado à ação que faz valer cada página. Além disso, o confronto serve para nos dar pistas sobre o passado de Green, um segredo que será levado até a saga Gold Silver Crystal.
Dito isto, ainda há muito o que problematizar sobre esse confronto. Por mais que eu ache genial o lance das Pokébolas nos seios, a ideia de que a grande fraqueza de Sabrina, a poderosa Líder do Ginásio do tipo Psíquico e competente comandante da Equipe Rocket, é a humilhação de ela ter seios menores que uma menina de dez anos é bastante machista, além de outro exemplo da obsessão de artistas japoneses por meninas com seios salientes. Pelo menos Sabrina manteve seus poderes paranormais, assim como suas contrapartes dos games e do anime.
Monstros da Liberdade Criativa
Se o confronto contra a Equipe Rocket já era algo para o qual vínhamos sendo preparados, certamente a fusão das aves lendárias, Zapmolticuno não era. É ótimo ver como Kusaka usou a liberdade criativa que lhe foi dada para estender a transgressão da Equipe Rocket contra a natureza para além de Mewtwo. Afinal de contas, se você pode criar uma versão mais bombada de um Pokémon lendário, o que te impediria de tentar outras coisas? É também maravilhoso ver como ele adapta o poder das Insígnias para a história que quer contar.
Nos jogos originais, mais que servir para entrar no Planalto Índigo e garantir a obediência de Pokémon obtidos por troca, as Insígnias também aumentavam os stats dos Pokémon de um Treinador em determinada porcentagem. Além de não existir nos jogos mais desde a III Geração, isso não foi explorado em outras mídias, como o anime por exemplo. No mangá, isso é implementado como uma forma de poder místico que aumenta a força dos Pokémon dos portadores de tais itens. Além disso, a posse da Insígnia permite que o Treinador ganhe controle até mesmo sobre Pokémon lendários. Considerando que na obra de Kusaka Insígnias não são um requisito para entrar para a Liga Pokémon, essas propriedades especiais servem como um ótimo motivo para não só justificar a força e superioridade dos Líderes de Ginásio, como também de motivação para aqueles que querem obter cada uma delas. Dessa forma, estando em posse de quatro Insígnias (Trovão, Alma, Lama e Terra), a Equipe Rocket tem poder não só para controlar Articuno, Moltres e Zapdos individualmente, como também sua fusão.
E as aves não são as únicas modificadas pela ciência de Kusaka! Se em Pokémon - O Filme, Mewtwo havia recebido a habilidade de se comunicar telepaticamente - um recurso que quase todo Pokémon protagonista de filme ganharia eventualmente com o propósito de lhes dar falas - o mangá decidiu fazer menos por suas habilidades diplomáticas e mais pelas suas de combate. Dessa forma, o que antes era uma simples Onda Psíquica se tornou um belo ataque que pode vir na forma de uma colher gigante ou de um tornado, dependendo de quantos oponentes se enfrenta. Como resultado, o confronto contra Mewtwo também deixa de ser sobre força e sim sobre tática. Dessa forma, o roteirista também atrela a Bola Mestra ao Pokémon Genético sem contudo tirar a dificuldade de enfrentá-lo.
Outro acerto é a forma como os destinos de Mewtwo e Blaine são entrelaçados. Ver a ganância científica do Líder de Ginásio ser punida com um efeito colateral que pode matá-lo vem como uma espécie de justiça poética. Porém, uma na qual os leitores encontrarão pouco regojizo. Devido à apresentação do já convertido Blaine no volume anterior, fica quase impossível torcer contra ele, mas para que tanto o Líder quanto o Pokémon Genético encontrem alguma paz ao lado um do outro. Além disso, o fato de ser Red a realizar a captura, mas Blaine aquele que deve ficar com o Pokémon, ajuda a enaltecer as habilidades do Treinador sem deixar seu time desequilibrado para a Liga.
Precisa-se de Juiz
Porém, nem sempre a liberdade criativa trabalha a favor do roteiro. Um dos problemas que tanto Pocket Monsters SPECIAL quanto o anime enfrentaram foi a questão das batalhas Pokémon. Nos jogos, a estrutura é bem simples: vocês batalham com todos os Pokémon que tem em mãos e aquele cujo time for derrotado primeiro perde. O anime tentou adicionar um elemento de justiça às batalhas permitindo que ambos os Treinadores usassem o mesmo número de monstros, mas eu compensação teve problemas definindo o que validava alguém ser considerado fora de combate - ser colocado para dormir, por exemplo, já valia uma derrota.
Quando se trata de batalhas, Kusaka nunca se atrelou às regras dos jogos. Seu foco nunca foi em retratar as batalhas como elas realmente deveriam ser, mas sim brincar com os conceitos envolvidos: e se um Pokémon se movesse dessa maneira? E se aquele ataque fosse usado de outra forma? Um grande diferencial do roteirista foi a inclusão do Treinador como um participante da batalha: diferente de Ash, que fica seguro fora da arena de combate, os Treinadores em Pocket Monsters SPECIAL podem ser atingidos a qualquer instante por um ataque e ficam mais próximos de seus Pokémon. Assim, as batalhas de Kusaka sempre tinham um propósito narrativo que ia além do confronto em si e é uma abordagem que no geral funciona maravilhosamente bem.
É natural que contra inimigos como a Equipe Rocket ou Pokémon selvagens como Mewtwo, as regras sejam um pouco esquecidas em prol da sobrevivência. Não teria condição de Mewtwo ser derrotado num um contra um tradicional, por exemplo, ou de que a Equipe Rocket fosse conduzir batalhas justas mandando um Pokémon de cada vez contra seu oponente - ainda mais já tendo perdido para esses jovens Treinadores formidáveis antes. Mas e quando a liberdade criativa é usada para criar saídas fáceis que não fazem muito sentido dentro do universo da franquia?
A batalha contra Giovanni, por exemplo, começa de forma promissora, com o chefe da Equipe Rocket dominando e mostrando sua superioridade contra Red numa disputa que pesa muito mais na capacidade do próprio Treinador de agir rapidamente diante do desespero do que nas habilidades dos Pokémon de cada um. Todavia, seu encerramento parece saído diretamente do anime, com Rhyhorn derrubando Aero com uma Cauda Chicote (????) e um Relâmpago de Pika derrubando não só Giovanni, como sua Nidoqueen - aliás, por que a imunidade dos Pokémon Terrestres a ataques Elétricos é TÃO negligenciado pelas adaptações dos jogos?
Já na Liga Pokémon, o problema começa com o factoide desnecessário de que seus vencedores tradicionalmente nativos da Cidade de Pallet. A mística ao redor da cidadezinha onde a aventura começa é introduzida logo no começo deste volume, contada por Blue: a pureza da Cidade de Pallet foi o que atraiu o Professor Carvalho a construir seu laboratório ali. É também essa suposta pureza que justifica a presença de Mew no local no primeiro capítulo deste mangá. Porém, nada disso é necessário e parece mais uma afetação de Kusaka, uma tentativa de justificar coisas que no fundo não precisam ser justificadas. Mew também apareceu nos arredores de Celadon para Red e Green. Qual a mística por trás da Cidade de Celadon? E por que depois ele pode ser visto no Planalto Índigo? Se ele é um Pokémon mítico que habita a região, nada mais justo que ele perambule por ela e nenhuma justificativa para ele aparecer em um lugar ou outro se faz necessária.
Do mesmo modo, em que contribui para a história saber que todos os oito vencedores anteriores da Liga Pokémon de Kanto vieram de Pallet? Pelo contrário, ela só gera um paradoxo: afinal como assim uma cidadezinha que gerou OITO campeões no passado não recebe nenhuma atenção midiática? Como assim sua pureza não foi corrompida? Não teria sido mais interessante saber que esta é a primeira vez que um Treinador de Pallet pode vencer? Teríamos uma história de superação em vez de um talento justificado por nascença em local místico.
Além disso, o tempo que ele gasta explicando essas coisas talvez fosse melhor usado explicando a organização da Liga Pokémon. O drama inserido na batalha de Blue contra o "Doutor C" é importante? Claro que é, mas por que Green foi considerada derrotada se apenas Squirtinho foi derrotado? Ela ainda tinha Jigglypuff. O Professor Carvalho revelou ter ainda outros dois Pokémon Voadores para o confronto, e os de Green? Da mesma forma, por que Blue usou apenas três Pokémon e Red quatro? Por que Blue foi considerado derrotado com a queda de Charizard se ele ainda podia usar Ninetales? Foi por que ele também caiu junto? A regra por acaso era "perde se o inicial for derrotado"? Qual o critério? O objetivo é vencer o Treinador e não apenas seus Pokémon? Ninguém sabe e Kusaka não faz a menor questão de justificar essas vitórias e derrotas. Ele apenas quer fazer seu espetáculo narrativo.
E espetáculo é algo que ele domina! É ótimo ver a forma como Prof. Carvalho confronta Green e lhe dá uma bela demonstração de compaixão ao final e é de arrepiar ver Red e Blue demonstrando o que aprenderam um com outro em sua batalha. Tudo fica ainda mais especial com a ilustração de Mato, que demonstra um cuidado visivelmente especial com esses confrontos finais, com ilustrações belíssimas que dão uma grande sensação de movimento e usam de forma maravilhosa o artifício de flashback. O painel de vitória de Red com Poli, Pika e Bulba, é uma belíssima forma de encerrar o arco do Treinador.
Assim como a saga da Liga de Índigo do anime, Pokémon: Red Green Blue serve para nos lembrar como era aquele mundo que ainda tentava interpretar e entender os monstros de bolso e seu universo. Enquanto Kusaka conseguiu nos apresentar um ambiente definitivamente mais perigoso e selvagem, com uma trama cheia de ramificações e que não tem medo de arriscar, recheada de personagens interessantes, ele também falhou em fazer um final que amarrasse todos os fios numa trama só, nos dando um final fragmentado e sua sede de revelações pode vir acompanhada de informações que ninguém pediu nem iria precisar saber. Além disso, o fato de toda a jornada de Red se resumir em três volumes não nos permitiu tempo de qualidade com Pokémon adquiridos no volume anterior como Vee, Aero e Gyara ou até mesmo conhecer melhor alguns personagens, algo que poderá ser consertado com a próxima saga: Yellow.
Considerações finais:
Pokémon é um dos poucos casos que conseguiu transpor do mundo dos videogames de forma bem-sucedida para a TV, cinema, mangás entre outras mídias. Uma das razões disso é o fato de que não existe uma única história sendo contada, um cânone singular. Até no campo da animação, que por anos focou exclusivamente nas aventuras de Ash, o escopo foi se ampliando paulatinamente, permitindo que outros personagens ganhassem os holofotes, primeiro com os especiais de Pokémon Chronicles e eventualmente com as minisséries Pokémon Origins e Pokémon Gerações, que buscaram uma maior fidelidade aos jogos. Tal manobra permitiu que diferentes autores explorassem o universo de Satoshi Tajiri de diferentes maneiras, gozando de certa liberdade criativa.
Mesmo sendo considerada a adaptação que mais se aproxima com a visão do criador dos monstros de bolso, de acordo com o próprio, Pokémon: Red Green Blue também não se prendeu àquilo que os jogos propunham e contou sua própria história. No terceiro volume do mangá de Hidenori Kusaka e Mato, o primeiro arco de histórias é encerrado e com louvor! Se na segunda edição, o foco era colocar as peças do tabuleiro na mesa, agora os autores têm a liberdade de só movê-las no campo e o resultado é bastante satisfatório. O resultado é um livro composto por três clímaces: a batalha final contra a Equipe Rocket e Giovanni, Mewtwo e, por fim, a Liga Pokémon.
Se por um lado o que temos é um livro cheio de ação que não falha em amarrar quase todas as pontas deixadas pelo volume anterior, o fato de essas tramas não estarem muito bem conectadas entre si faz com que haja uma perda de ritmo na transição de uma história para a outra. Felizmente, isso não causa um grande prejuízo. Kusaka consegue manter suas histórias interessantes, inteligentes e criativas o bastante para cativar o leitor e prender atenção. Além disso, o autor faz ótimo uso de sua liberdade para nos surpreender e dar a histórias que poderiam soar batidas - como a de Mewtwo, que até ganhou adaptação para o cinema - uma nova e interessante perspectiva.
Batalha à Trois
O inevitável confronto final contra a Equipe Rocket era um dos eventos mais esperados deste volume e uma grande preocupação de Kusaka é estabelecer as motivações de cada personagem envolvido. Explicar os porquês parece de crucial importância para o autor. Em parte, isso é bom porque tira dos nossos protagonistas as virtudes do heroísmo altruísta clichê e os transforma em heróis por oportunidade: enquanto Red quer genuinamente acabar com os vilões por sua preocupação com os Pokémon em geral, Blue apenas quer resgatar seu avô e se vingar pelo que foi feito ao povo de Pallet e Green quer roubar o monstro no qual a organização está investindo para lucrar em cima dele. Até mesmo os pares formados para a batalha Kusaka se preocupou em justificar, estabelecendo as relações entre Red e Surge e Koga e Blue nos volumes anteriores e dando à Green uma arma perfeita para enfrentar os Pokémon do tipo Psíquico de Sabrina (os binóculos especiais).
Com os conflitos todos previamente organizados, resta ao roteirista apenas brincar com as possibilidades! Os comandantes da Equipe Rocket não têm medo de apelar para as mais inusitadas parafernálias na hora de se vingar das crianças que lhes atrapalharam. São grades elétricas, técnicas de imobilização e tortura física e psicológica. Dessa forma, o confronto é menos uma batalha Pokémon tradicional entre Treinadores, mas sim os jovens fazendo uso de seus recursos e criatividade para se desviarem dos planos dos Rockets, o que deixa o confronto pendendo mais para cérebro do que músculos.
Kusaka nos presenteia com algumas escolhas interessantes, como a decisão de mostrar Blue sendo vulnerável a Koga mais uma vez e precisando da ajuda de Red para derrotá-lo. Colocar o rival com ar de superioridade precisando da ajuda daquele que ele despreza de serve tanto para estabelecer o Líder ninja como o comandante mais perigoso do trio (nos jogos, ele de fato é mais forte que Surge e seus Pokémon estão no mesmo nível que os de Sabrina) como para também dar um certo equilíbrio à rivalidade dos dois rapazes. Além disso, é maravilhoso ver Red derrotando Surge simplesmente cortando seu isolamento.
Porém, meu confronto favorito fica entre Green e Sabrina. Sem os grandes exageros dos confrontos protagonizados pelos homens, é um deleite ver a ardilosidade da jovem Treinadora misteriosa sendo usada a seu favor e suas estratégias são deliciosamente surpreendentes (usar Ditto disfarçado de Blastoise pra avaliar o poder de Sabrina, Horsea pra se ocultar nas sombras, as Pokébolas armazenadas nos seios, os golpes sonoros para fazê-la perder a concentração…). Há um elemento de humor mesclado à ação que faz valer cada página. Além disso, o confronto serve para nos dar pistas sobre o passado de Green, um segredo que será levado até a saga Gold Silver Crystal.
Dito isto, ainda há muito o que problematizar sobre esse confronto. Por mais que eu ache genial o lance das Pokébolas nos seios, a ideia de que a grande fraqueza de Sabrina, a poderosa Líder do Ginásio do tipo Psíquico e competente comandante da Equipe Rocket, é a humilhação de ela ter seios menores que uma menina de dez anos é bastante machista, além de outro exemplo da obsessão de artistas japoneses por meninas com seios salientes. Pelo menos Sabrina manteve seus poderes paranormais, assim como suas contrapartes dos games e do anime.
Monstros da Liberdade Criativa
Se o confronto contra a Equipe Rocket já era algo para o qual vínhamos sendo preparados, certamente a fusão das aves lendárias, Zapmolticuno não era. É ótimo ver como Kusaka usou a liberdade criativa que lhe foi dada para estender a transgressão da Equipe Rocket contra a natureza para além de Mewtwo. Afinal de contas, se você pode criar uma versão mais bombada de um Pokémon lendário, o que te impediria de tentar outras coisas? É também maravilhoso ver como ele adapta o poder das Insígnias para a história que quer contar.
Nos jogos originais, mais que servir para entrar no Planalto Índigo e garantir a obediência de Pokémon obtidos por troca, as Insígnias também aumentavam os stats dos Pokémon de um Treinador em determinada porcentagem. Além de não existir nos jogos mais desde a III Geração, isso não foi explorado em outras mídias, como o anime por exemplo. No mangá, isso é implementado como uma forma de poder místico que aumenta a força dos Pokémon dos portadores de tais itens. Além disso, a posse da Insígnia permite que o Treinador ganhe controle até mesmo sobre Pokémon lendários. Considerando que na obra de Kusaka Insígnias não são um requisito para entrar para a Liga Pokémon, essas propriedades especiais servem como um ótimo motivo para não só justificar a força e superioridade dos Líderes de Ginásio, como também de motivação para aqueles que querem obter cada uma delas. Dessa forma, estando em posse de quatro Insígnias (Trovão, Alma, Lama e Terra), a Equipe Rocket tem poder não só para controlar Articuno, Moltres e Zapdos individualmente, como também sua fusão.
E as aves não são as únicas modificadas pela ciência de Kusaka! Se em Pokémon - O Filme, Mewtwo havia recebido a habilidade de se comunicar telepaticamente - um recurso que quase todo Pokémon protagonista de filme ganharia eventualmente com o propósito de lhes dar falas - o mangá decidiu fazer menos por suas habilidades diplomáticas e mais pelas suas de combate. Dessa forma, o que antes era uma simples Onda Psíquica se tornou um belo ataque que pode vir na forma de uma colher gigante ou de um tornado, dependendo de quantos oponentes se enfrenta. Como resultado, o confronto contra Mewtwo também deixa de ser sobre força e sim sobre tática. Dessa forma, o roteirista também atrela a Bola Mestra ao Pokémon Genético sem contudo tirar a dificuldade de enfrentá-lo.
Outro acerto é a forma como os destinos de Mewtwo e Blaine são entrelaçados. Ver a ganância científica do Líder de Ginásio ser punida com um efeito colateral que pode matá-lo vem como uma espécie de justiça poética. Porém, uma na qual os leitores encontrarão pouco regojizo. Devido à apresentação do já convertido Blaine no volume anterior, fica quase impossível torcer contra ele, mas para que tanto o Líder quanto o Pokémon Genético encontrem alguma paz ao lado um do outro. Além disso, o fato de ser Red a realizar a captura, mas Blaine aquele que deve ficar com o Pokémon, ajuda a enaltecer as habilidades do Treinador sem deixar seu time desequilibrado para a Liga.
Precisa-se de Juiz
Porém, nem sempre a liberdade criativa trabalha a favor do roteiro. Um dos problemas que tanto Pocket Monsters SPECIAL quanto o anime enfrentaram foi a questão das batalhas Pokémon. Nos jogos, a estrutura é bem simples: vocês batalham com todos os Pokémon que tem em mãos e aquele cujo time for derrotado primeiro perde. O anime tentou adicionar um elemento de justiça às batalhas permitindo que ambos os Treinadores usassem o mesmo número de monstros, mas eu compensação teve problemas definindo o que validava alguém ser considerado fora de combate - ser colocado para dormir, por exemplo, já valia uma derrota.
Artista deconhecido
É natural que contra inimigos como a Equipe Rocket ou Pokémon selvagens como Mewtwo, as regras sejam um pouco esquecidas em prol da sobrevivência. Não teria condição de Mewtwo ser derrotado num um contra um tradicional, por exemplo, ou de que a Equipe Rocket fosse conduzir batalhas justas mandando um Pokémon de cada vez contra seu oponente - ainda mais já tendo perdido para esses jovens Treinadores formidáveis antes. Mas e quando a liberdade criativa é usada para criar saídas fáceis que não fazem muito sentido dentro do universo da franquia?
A batalha contra Giovanni, por exemplo, começa de forma promissora, com o chefe da Equipe Rocket dominando e mostrando sua superioridade contra Red numa disputa que pesa muito mais na capacidade do próprio Treinador de agir rapidamente diante do desespero do que nas habilidades dos Pokémon de cada um. Todavia, seu encerramento parece saído diretamente do anime, com Rhyhorn derrubando Aero com uma Cauda Chicote (????) e um Relâmpago de Pika derrubando não só Giovanni, como sua Nidoqueen - aliás, por que a imunidade dos Pokémon Terrestres a ataques Elétricos é TÃO negligenciado pelas adaptações dos jogos?
Já na Liga Pokémon, o problema começa com o factoide desnecessário de que seus vencedores tradicionalmente nativos da Cidade de Pallet. A mística ao redor da cidadezinha onde a aventura começa é introduzida logo no começo deste volume, contada por Blue: a pureza da Cidade de Pallet foi o que atraiu o Professor Carvalho a construir seu laboratório ali. É também essa suposta pureza que justifica a presença de Mew no local no primeiro capítulo deste mangá. Porém, nada disso é necessário e parece mais uma afetação de Kusaka, uma tentativa de justificar coisas que no fundo não precisam ser justificadas. Mew também apareceu nos arredores de Celadon para Red e Green. Qual a mística por trás da Cidade de Celadon? E por que depois ele pode ser visto no Planalto Índigo? Se ele é um Pokémon mítico que habita a região, nada mais justo que ele perambule por ela e nenhuma justificativa para ele aparecer em um lugar ou outro se faz necessária.
Do mesmo modo, em que contribui para a história saber que todos os oito vencedores anteriores da Liga Pokémon de Kanto vieram de Pallet? Pelo contrário, ela só gera um paradoxo: afinal como assim uma cidadezinha que gerou OITO campeões no passado não recebe nenhuma atenção midiática? Como assim sua pureza não foi corrompida? Não teria sido mais interessante saber que esta é a primeira vez que um Treinador de Pallet pode vencer? Teríamos uma história de superação em vez de um talento justificado por nascença em local místico.
Além disso, o tempo que ele gasta explicando essas coisas talvez fosse melhor usado explicando a organização da Liga Pokémon. O drama inserido na batalha de Blue contra o "Doutor C" é importante? Claro que é, mas por que Green foi considerada derrotada se apenas Squirtinho foi derrotado? Ela ainda tinha Jigglypuff. O Professor Carvalho revelou ter ainda outros dois Pokémon Voadores para o confronto, e os de Green? Da mesma forma, por que Blue usou apenas três Pokémon e Red quatro? Por que Blue foi considerado derrotado com a queda de Charizard se ele ainda podia usar Ninetales? Foi por que ele também caiu junto? A regra por acaso era "perde se o inicial for derrotado"? Qual o critério? O objetivo é vencer o Treinador e não apenas seus Pokémon? Ninguém sabe e Kusaka não faz a menor questão de justificar essas vitórias e derrotas. Ele apenas quer fazer seu espetáculo narrativo.
E espetáculo é algo que ele domina! É ótimo ver a forma como Prof. Carvalho confronta Green e lhe dá uma bela demonstração de compaixão ao final e é de arrepiar ver Red e Blue demonstrando o que aprenderam um com outro em sua batalha. Tudo fica ainda mais especial com a ilustração de Mato, que demonstra um cuidado visivelmente especial com esses confrontos finais, com ilustrações belíssimas que dão uma grande sensação de movimento e usam de forma maravilhosa o artifício de flashback. O painel de vitória de Red com Poli, Pika e Bulba, é uma belíssima forma de encerrar o arco do Treinador.
Assim como a saga da Liga de Índigo do anime, Pokémon: Red Green Blue serve para nos lembrar como era aquele mundo que ainda tentava interpretar e entender os monstros de bolso e seu universo. Enquanto Kusaka conseguiu nos apresentar um ambiente definitivamente mais perigoso e selvagem, com uma trama cheia de ramificações e que não tem medo de arriscar, recheada de personagens interessantes, ele também falhou em fazer um final que amarrasse todos os fios numa trama só, nos dando um final fragmentado e sua sede de revelações pode vir acompanhada de informações que ninguém pediu nem iria precisar saber. Além disso, o fato de toda a jornada de Red se resumir em três volumes não nos permitiu tempo de qualidade com Pokémon adquiridos no volume anterior como Vee, Aero e Gyara ou até mesmo conhecer melhor alguns personagens, algo que poderá ser consertado com a próxima saga: Yellow.
Considerações finais:
- Apesar de ser chamado de Choque do Trovão nas primeiras páginas deste volume, o ataque Thunderbolt de Pika é traduzido como Relâmpago na luta contra Giovanni, que é o mesmo nome usado para o movimento Elétrico tanto no jogo Pokémon Go quanto nas Estampas Ilustradas da Copa. A mudança repentina dentro do mesmo livro é no mínimo curiosa, mas é possível que a lista de golpes tenha sofrido alguma atualização - com a chegada de Sun & Moon - durante a tradução deste volume e portanto isso ocorreu. Resta a dúvida agora: será que no anime veremos Ash comandando Pikachu para usar o Relâmpago em vez do clássico Choque do Trovão em Pokémon - A Série Sol & Lua?
- Adoro como este volume mostra uma borboleta de boa com Gyara e depois o Professor Carvalho naturalmente menciona cacatua para explicar como funciona o Ataque Espelhado de seu Spearow. Bons tempos em que animais apareciam no mundo Pokémon…
- O vão que desaparece no prédio da Silph Co. é uma referência aos pisos de teleporte dos jogos;
- Aparentemente Metronome não terá o nome traduzido. Que coisa né…
- Apesar de possuir o maior nível dentre os Pokémon de Red, Poli perdeu quase todas as batalhas em que entrou neste volume. Essa informação pode ser verificada no nosso Guia de Batalhas SPECIAL atualizadíssimo aqui;
- Este texto está pronto tem mais de um mês, mas eu andava com preguiça de revisar e obter as imagens e até hoje não recebi o Volume 4 da Panini T-T
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